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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

IMOBILIDADE URBANA

Depois de alguns posts criticando o fato do transporte público estar organizado de modo a atender aos interesses financeiros dos empresários do setor e não às necessidades da população, ainda assim acho necessário reafirmar a minha crença na utilização do transporte público como solução para o problema da mobilidade urbana nas grandes cidades brasileiras. Por que? Nada melhor do que uma experiência concreta para exemplificar os resultados de se optar pelo transporte individual.

Há quatro anos moro em uma cidade de aproximadamente meio milhão de habitantes na Zona da Mata de Minas Gerais. Apesar de contar com uma linha férrea que corta a cidade (em sentido literal e figurado) dividindo-a em duas, o transporte de passageiros aqui é totalmente feito por ônibus. A linha férrea é explorada apenas por uma empresa privada de logística cujos trens cortam a cidade várias vezes ao dia, marcando o cotidiano da população, muitas vezes atrasando a vida daqueles que diariamente tem que cruzá-la e complicando ainda mais a questão da mobilidade urbana na cidade. Em troca da possibilidade de atravessar o cotidiano da cidade (mais uma vez, em sentido literal e figurado) com seus trens de carga, essa empresa acha suficiente criar um número muito limitado de empregos para os seus moradores. Ah... ela também patrocina o time de futebol da cidade. Por algum motivo que escapa à minha compreensão, os sucessivos prefeitos da cidade não exigem mais nenhum tipo de contrapartida social por parte da empresa. Assim, apesar de ainda existirem, espalhadas pela cidade, algumas antigas estações de passageiros, hoje a população não se beneficia em nada da existência da linha férrea. Muito pelo contrário. A sua presença é vista por boa parte da população como algo negativo, um estorvo que atrapalha. Também não há metrô na cidade. O que se justifica pelo tamanho da população e, mesmo pelo relevo da cidade.


Assim sendo, como dito antes, o transporte de passageiros é totalmente feito por meio rodoviário. O serviço de ônibus está dividido entre sete concessionárias que atuam em áreas diferentes da cidade, servindo os seus bairros. Porém, como uma concessionária não pode operar na área da outra, só há ligação de bairro para bairro dentro da área controlada pela mesma concessionária. O que equivale a dizer, por exemplo, que as linhas que rodam na zona norte não circulam na zona sul. E se você precisa se deslocar de um bairro da zona norte para um bairro da zona sul terá que, por força, fazer uma baldeação no centro da cidade, para onde converge a maioria absoluta das linhas. Dessa forma, na ausência absoluta de uma ligação direta bairro-bairro, o cidadão é obrigado muitas vezes a pegar dois ônibus para fazer qualquer trajeto, tendo que fazer a passagem obrigatória pelo centro. E essa baldeação onera principalmente os moradores das áreas mais afastadas do centro. Até porque nunca sequer entrou em pauta por essas bandas a discussão para a implantação de um sistema de bilhete único. Os beneficiados por esse sistema vocês já devem ter percebidos quem são. Por trás dessa situação mais uma vez se encontram ligações não totalmente transparentes entre os interesses privados e o poder público. Em 2009, o então prefeito da cidade foi obrigado a renunciar para evitar a cassação do seu mandato, acusado de receber propina de empresas de ônibus. Desde 2010 há um processo de licitação das linhas de ônibus parado em alguma instância do legislativo municipal. E a atual composição da Câmara de Vereadores conta com um vereador que além de proprietário de uma empresa de ônibus, é proprietário também de uma auto-escola.

Para piorar esse quadro, algumas linhas operam muito abaixo da necessidade, levando os moradores a uma espera de 50 minutos ou mais pelo seu ônibus. A solução que o cidadão encontrou para escapar dessa verdadeira armadilha feita pelas empresas de ônibus foi, obviamente, apelar para a solução privatista e individualista: comprar o seu próprio carro. A cidade conta hoje com um carro para cada quatro habitantes! O que faz com ela tenha problemas de trânsito do porte de cidades com mais de um milhão de habitantes, como engarrafamentos estressantes nos horários de pico e, principalmente mas não exclusivamente, na área central da cidade, onde os carros têm que concorrer com a convergência das linhas de ônibus. Para completar, a cidade conta com uma estrutura viária antiquada nos bairros, com ruas estreitas e de mão-dupla e que ainda têm que servir de estacionamento para a sempre crescente frota de carros particulares. Diante dessa situação, um gênero de negócio que encontra um terreno muito fértil para prosperar em Juiz de Fora é justamente as auto-escolas. Não por acaso, o outro ramo de atuação do vereador citado acima. Além de revendedoras de automóveis e os postos de gasolina, que são os verdadeiros beneficiados por todo esse sistema. O único que não sai lucrando nessa história é o cidadão, que é obrigado a comprar um carro e enfrentar engarrafamentos para fazer trajetos, às vezes, ridiculamente pequenos (o que significa gastar muito com gasolina e manutenção devido à estrutura viária precária da cidade). Isso sem falar das implicações da “cultura do carro próprio” para a própria organização espacial da cidade: que vai desde a demolição de moradias na área central da cidade para a abertura de estacionamentos que nunca dão conta de uma demanda sempre crescente, até o crescimento de bairros cada vez mais afastados que não contam com uma oferta de serviços os mais básicos (como açougues, supermercados ou bancos).

Assim, não é apenas a população de baixa renda, que não tem dinheiro para comprar o seu carro, que é prejudicada pela forma como está “organizado” (com muita ironia aqui, por favor) o sistema de transporte público da cidade, mas a população como um todo. Aqueles que dependem dos ônibus, que perdem seus compromissos porque o ônibus não passou, mas também a população que utiliza o transporte particular, que enfrenta engarrafamentos, ruas em péssimo estado de conservação e gasta o que pode e o que não pode com a manutenção do carro. Por outro lado, um sistema de transporte público que realmente atendesse às necessidades da população também beneficiaria a população como um todo, fazendo com que as pessoas deixassem o carro em casa e andassem de ônibus (ou trem); ou que, pelo menos, diminuísse o fluxo de veículos nas ruas, diminuindo os engarrafamentos e o stress. Dessa forma, é só analisar a situação com um pouco mais atenção para perceber que nunca foi, nem nunca vai ser, apenas por 20 centavos.

Para terminar esse post, coloco o link de uma reportagem que aborda o problema da "imobilidade urbana" nas cidades do interior de Minas Gerais:

2 comentários:

  1. Um exemplo bem prático. De carro de casa para o trabalho levo cerca de 5 minutos. Se fosse pegar ônibus ou teria que andar um trecho que 15 minutos a pé, esperar (não se sabe quanto tempo) um ônibus, ou pegar dois ônibus. Ambas as possibilidades sem saber quanto tempo eu levaria até o trabalho... Seria mais rápido ir a pé :/

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  2. Por isto realmente e muito desagradavel escutar todo mundo falar aqui (Espanha) que Brasil esta bem, muito bem, que nao tem crises econômica, as pessoas aqui nao tem nem idea da realidade do día a día dos brasileiros!!

    Este sistema de Barcelona con tren subterraneo-onibus-metro-bonde, con o mesmo tiket que serve para tudo e administraçao publica seria uma soluçao otima, o transporte público tem que ser público no de empresas particulares, más também tem os seus problemas, pensa que quando o governo esta mal econômicamente, transfere todo o problema para os consumidor e aumenta o preço do billete e baixa os salarios dos motoristas. Igualmente e´um sistema otimo.

    Confere o link: http://www.tmb.cat/es/home

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