Quem mora nas
grandes capitais e entra em contato com as últimas novidades quase no mesmo momento
em que elas surgem, não tem noção da lentidão com que o tempo parece passar nas
pequenas e médias cidades do interior do país. Esse sentimento de que o tempo
passa mais devagar em cidades menores é, mesmo, o atrativo que leva muitas
pessoas a deixarem a correria das megalópoles, atrás de uma melhor qualidade de
vida no “interior”. Por vezes, viajando pelo interior tem-se, a impressão de um
deslocamento não apenas no espaço, mas também no tempo. Não apenas pela
ausência, nessas cidades, de Shopping Centers com lojas de grandes grifes
estrangeiras e cinemas 3d, ou de um serviço de internet rápida e outras comodidades
que só são encontradas nos grandes centros , mas pela ausência mesma de equipamentos
urbanos muito mais prosaicos como, por exemplo, sinais de trânsito. Tudo,
nessas cidades, parece apontar para o que consideramos “atraso”. Mas o que chamamos de “atraso” ou de
“progresso” é apenas uma questão de ponto de vista. Algo relativo e não
conceitos absolutos. Como pude perceber em viagem pelo interior de Minas Gerais
há um tempo atrás.
O ônibus chegou
na rodoviária e eu desembarquei. Estava ali só de passagem, em baldeação para
outra cidade. Era uma bonita tarde de céu azul e sol ameno e eu tinha uma hora
de espera até partir o meu ônibus e eu seguir viagem. Busquei um banco e sentei
observando o movimento da rodoviária. Sempre me atraiu esse movimento de
pessoas em trânsito, esse clima de chegadas e partidas. Estava imerso em
reflexões dessa natureza quando, não mais que de repente, o estouro de fogos quebrou
a rotina do centro da cidade e chamou a minha atenção. Aliás, interessante
notar como cidades médias e pequenas, por vezes, têm a sua rodoviária (ou a sua
parada de ônibus intermunicipais) bem no seu centro. Seria esse um símbolo do
rodoviarismo que marca o desenvolvimento das cidades no nosso país? Apenas à
medida que as cidades crescem e o trânsito na sua região central começa a ficar
confuso, as rodoviárias acabam por ser deslocadas para as suas periferias ou
para a proximidade das suas vias de saída... Digressiono. Voltemos aos fogos. Ao
quais se uniu logo o barulho de buzinas e de um carro de som. Percebi, então, tratar-se
de uma carreata. Não uma carreata qualquer, porém. Os alto-falantes do carro de
som anunciavam a mais nova realização da prefeitura local. Era uma carreata
oficial, portanto. Com toda a pompa e circunstância que a ocasião requer. O
locutor oficial da caravana oficial anunciava do alto do carro de som (oficial)
que, por obra do Excelentíssimo Senhor Prefeito, o “progresso” acabava de
chegar àquela cidade. E o “progresso” se materializava na forma da nova usina
de asfalto que estava sendo instalada na cidade. O locutor berrava a plenos
pulmões a quantidade de milímetros cúbicos de asfalto que a nova usina teria a
capacidade de produzir e o nome das máquinas que a compunham. Qual não foi a
minha surpresa ao perceber que aquelas mesmas máquinas anunciadas estavam
presentes à carreata, tornando-a ainda mais invulgar! Máquinas cujo nome não
recordo e cuja função nunca conheci, mas que o tamanho e o peso só permitiam
que se movessem muito lentamente, fechando o cortejo. Pouco depois da passagem
da carreata do prefeito tomei meu ônibus para fazer a segunda parte da minha
viagem. Ao sair da rodoviária, percebi que o trânsito continuava confuso na
região devido à passagem da carreata. O ônibus seguiu lentamente pela avenida
que parecia ser a principal da cidade, onde a rodoviária estava localizada.
Mais adiante, próximo à saída da cidade, reencontramos a caravana. Agora ela
passava por um subúrbio formado por ruas de terra e casas de tijolo sem reboco.
Pensei que aquela sim era uma região que ia se beneficiar com o “progresso” que
aqueles moradores viam passar na porta das suas casas. Mas, imediatamente
fiquei me perguntando se aquelas pessoas, em geral famílias humildes que
olhavam maravilhadas o tamanho daquelas máquinas, algum dia veriam os
benefícios da nova e moderna usina de asfalto da cidade onde moravam.
O resto da minha viagem foi tomado por reflexões sobre o evento que tinha acabado de presenciar. Pensava como é curioso que ainda hoje um prefeito se ache no direito de fazer uma carreata às três horas da tarde de um dia de semana em pleno centro da cidade, perturbando a sua rotina e atrapalhando o seu trânsito, apenas para fazer propaganda da própria administração. Obviamente que isso é mais comum em cidades do interior, pois poucos seriam os prefeitos malucos o suficiente para embaralhar o já caótico trânsito do centro do Rio ou de São Paulo com uma carreata. A situação se torna ainda mais curiosa quando a propaganda é de alguma ação que teoricamente serviria justamente para melhorar esse mesmo trânsito. A fala do locutor oficial também não saía da minha mente e fiquei pensando como também ainda hoje, em alguns lugares desse país, a chegada do “progresso” é sinônimo da chegada do asfalto, que vem substituir as ruas de terra batida ou de paralelepípedos e facilitar o trânsito de automóveis. O asfalto, que, juntamente com a chegada das montadoras de automóvel, foi símbolo de “progresso” na gestão do presidente Juscelino Kubitschek, há mais de 50 anos atrás. Mas que hoje é o símbolo de um modelo de cidade carro-dependente e do privilégio dado ao transporte rodoviário no nosso país, com todos os problemas de mobilidade e de poluição que esse modelo gera.
Ainda assim,
pelo interior do país, o asfalto continua sendo considerado, e apresentado para
os moradores, como o “progresso”. É na permanência desse modelo, e não na falta
de Shopping Centers e banda larga, que reside o verdadeiro “atraso” das pequenas
e médias cidades do interior. “Progresso” seria anunciar a inauguração de um
sistema de transporte público trans-modal e integrado, barato e de qualidade,
ou a construção de ciclovias. De medidas que permitissem aos moradores
dispensar o uso do carro e diminuíssem o engarrafamento no centro das cidades. Assim,
se o prefeito resolvesse fazer propaganda das suas realizações pelas ruas, essa
forma “atrasada” de fazer política, encontraria as vias mais vazias e não perturbaria
a rotina dos moradores.