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terça-feira, 12 de abril de 2011

METRÔ

O Rio é uma cidade grande e, muitas vezes, não é possível nos deslocarmos apenas a pé. Infelizmente. Assim, quando é necessário eu pego o metrô. Tenho que deixar claro desde o início que eu sou um entusiasta do transporte sobre trilhos, infelizmente tão desprezado no nosso país. E acredito mesmo que o metrô seja a única (ou a melhor) opção de transporte para os nossos grandes e engarrafados centros urbanos. Pode parecer contraditório para alguém que diz amar observar o movimento das ruas, essa opção pelo deslocamento subterrâneo. Lembro-me até do comentário de alguns conhecidos, que partilham comigo esse amor pelo movimento das ruas, de que não gostavam de andar de metrô porque não há nada para se observar através das janelas. Concordo. Mas, a partir do momento que os sucessivos engarrafamentos começam a deixá-lo a beira de um ataque de nervos, creio que essa seja a opção mais saudável.
A viagem de metrô está longe de ser monótona para quem tem “o vírus da observação”, como dizia João do Rio (sempre ele). A “nova” moda no metrô é a apresentação do condutor. Entre no metrô em alguma das suas estações terminais e, ao partir do trem, você ouvirá pelos alto-falantes do vagão algo do tipo: “Prezados clientes, eu sou o condutor Silva e irei com vocês até a Estação Central, o tempo de viagem é de aproximadamente X minutos”. Pra mim, é impossível escutar essa apresentação e não pensar no constrangimento do condutor em ter que se apresentar para os usuários. Fico pensando que tudo que ele queria era sentar isoladinho na sua cabine e fazer o seu trabalho repetitivo até o fim do expediente, tendo que interagir o mínimo possível com os usuários. Afinal de contas, lidar com o público não faz parte da sua função. Pelo menos não a princípio. E, agora, logo de partida, assim que começa do seu expediente ele é obrigado a se apresentar para os passageiros. Não deixa de gerar certo constrangimento para alguém que não está acostumado a falar em público. Mesmo que a apresentação seja feita pelo rádio. Mas nada de tão traumático que faça alguém pensar em mudar de emprego, creio eu.
Mas outros questionamentos também me assaltam sempre que ouço a apresentação dos condutores. Fico pensando qual era a intenção do pessoal do Departamento de Relações Públicas do Metrô ao obrigar seus condutores a se apresentarem aos usuários. Será que eles pensam que assim estarão desenvolvendo uma relação mais “próxima” e “personalizada” com os seus usuários? Que vão conseguir gerar algum tipo de empatia com os milhares de pessoas que diariamente são obrigadas a usar os seus serviços? Sim, porque Relações Públicas geralmente alimentam esses tipos de ilusão. Se essa for a intenção, temo que eles tenham que se esforçar mais do que simplesmente pedir para que os seus condutores se apresentem.
Outrora, o carioca já teve orgulho do seu metrô. Era um transporte, rápido, seguro e confortável. Uma boa opção se você não quisesse enfrentar engarrafamentos, calor e superlotação nos ônibus. Porém, de alguns anos prá cá, principalmente depois da sua privatização é preciso que se diga, a operação do metrô se tornou tão deficitária que ele deixou de ser motivo de orgulho para se tornar motivo de vergonha, inclusive investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Utilize o metrô a qualquer hora do dia ou da noite e hoje você está sujeito a se deparar com uma série de problemas que vão desde estações e trem lotados até freqüentes interrupções do serviço, passando por paradas no meio do trajeto e vagões sem ar-condicionado. A empresa se justifica aludindo ao grande aumento do número de usuários que vem ocorrendo nos últimos anos, propiciado pela expansão da linha e pelas inúmeras conexões feitas com o transporte rodoviário. Mais de 600.000 usuários por dia! Número do qual a empresa se orgulha e exibe em telões espalhados pelas estações. Para eles isso realmente deve ser motivo para se orgulhar, afinal de contas quanto mais usuários mais dinheiro no bolso do dono. No capitalismo, o sucesso de qualquer empreendimento é medido pelo seu lucro, não é verdade? E o lucro do metrô não deve ser pequeno, uma vez que a tarifa é bastante cara e nunca para de aumentar. Atualmente é de R$ 2,80, mas já está programado mais um aumento para o começo do próximo mês, que vai tornar a passagem do metrô do Rio a mais cara do Brasil (R$ 3,10). Assim como já estão programadas também manifestações de protesto contra o aumento por parte dos usuários insatisfeitos (Como vocês podem perceber, o texto foi escrito antes do aumento e fiquei com preguiça de alterar essa parte).
O fato é que o aumento do número de usuários e, consequentemente o aumento da receita do Metrô, não foi acompanhado do aumento correspondente de investimentos no sistema. Há que se admitir que as estações estão passando por muitas e necessárias reformas, principalmente no quesito acessibilidade. Até algum tempo atrás, escadas rolantes eram luxos encontrados apenas nas estações mais movimentadas. Hoje estão sendo instalados elevadores para portadores de necessidades especiais na maioria das estações. Aliás, uma dúvida que sempre me intrigou, e ainda me intriga, e que eu gostaria que algum arquiteto ou engenheiro do Metrô me respondesse: porque raios a entrada de quase todas as estações antigas tem 3 degraus de escada a partir da calçada??? Não era muito mais fácil e lógico construir um acesso ao nível da calçada??? A próxima providência poderia ser a colocação de coberturas nas entradas de todas as estações, a exemplo do que já está sendo feito nas estações mais novas, como Cantagalo e General Osório. Algumas estações passaram por um repaginamento visual, todas ganharam bancos, ventiladores e telões nas plataformas. Melhoria providencial, diga-se de passagem. Lembro como antigamente era um sufoco esperar o metrô, literalmente. Principalmente durante o verão, de pé em plataformas abafadas. Esse tipo de conforto se torna ainda mais necessário hoje em dia, uma vez que é cada vez maior o tempo de espera pelo trem. Oficialmente o tempo de espera é de 4 minutos. 4 minutos!! Não sei a opinião de vocês que lêem, mas para mim isso é muito tempo para um transporte que pretende ser rápido. Mas esse já é assunto para outro texto, pois já cheguei à estação terminal. Mais uma vez, ouço o condutor, agora se despedindo: “Prezados clientes, o metrô agradece a preferência e deseja a todos um bom dia”. Deve ser ironia, penso...

sábado, 9 de abril de 2011

RAPIDINHA

Saio do elevador, passo pela portaria e ganho a rua. Ladeira acima, dobro a esquina, ladeira abaixo. Pedra portuguesa, pedra portuguesa, pedra portuguesa. Esquina. Sinal fechado. Corre, vai abrir. Atravesso correndo. Carro em alta velocidade. Buzina. Xingamento. Ladeira abaixo. Pedra portuguesa, pedra portuguesa, pedra portuguesa. Dobro a esquina. Calçada quebrada. Banca de jornal fechada. Rua movimentada. Espero o sinal fechar. Olho para um lado, para o outro. Atravesso correndo. Dobro a esquina. Rua residencial. Casas que ainda resistem à especulação imobiliária.  Pedra portuguesa, pedra portuguesa, pedra portuguesa. Barbeiro, colégio, banca de jornal, barzinho novo na esquina. Bonitinho. Vou vir aí um dia. Dobro a esquina. Banca de jornal, farmácia, pedra portuguesa, metrô.

domingo, 3 de abril de 2011

FLANAR: VERBO INTRANSITIVO

Comecemos do início. Pelas definições: flanar é verbo que os dicionários de língua portuguesa não definem. Ou definem mal. “Andar ao acaso”, “Passear ociosamente”, segundo o Aurélio. Paulo Barreto (1881-1921), mais conhecido como João do Rio, o mais criticado e o menos lido dos cronistas da Belle Èpoque carioca, define o termo (que, ao fim e ao cabo, ele ajudou a disseminar) como “perambular com inteligência”. Escreveu ele na sua obra mais conhecida: “Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. (...) é estar sem fazer nada e achar absolutamente necessário ir até um sítio lôbrego, para deixar de lá ir, levado pela primeira impressão, por um dito que faz sorrir, um perfil que interessa, um par jovem cujo riso de amor causa inveja...” 
A flanerie, antes do futebol, era o esporte preferido do carioca do início do século XX. Momento em que a área central do Rio de Janeiro, como que por um passe de mágica (a expressão também é de Barreto) se transforma sob a batuta do Prefeito Francisco Pereira Passos (1903-1906). Momento em que o carioca deixa de ter vergonha e passa a ter orgulho do seu espaço urbano. Em que se populariza o hábito de “Fazer a Avenida”, como então se dizia. Que nada mais era do que perambular de uma ponta a outra da recém-inaugurada Avenida Central (Avenida Rio Branco desde 1912) ou sentar na varanda de um dos seus cafés, sempre com o intuito principal de ver e ser visto pela sociedade carioca.
Desde então, o carioca guarda uma relação especial de afetividade com o espaço urbano da sua cidade. Afetividade que, entenda-se bem, não significa cuidado.O carioca bate no peito com orgulho para dizer que é carioca, mas faz xixi nos monumentos históricos do centro (mas esse é tema para outro texto). Mesmo nos momentos mais negros da história da cidade e do país (sem querer confundir as duas), como talvez tenha sido a ditadura militar, o carioca nunca deixou de ocupar o espaço urbano. Fosse para se divertir, para protestar ou apenas de passagem de um lugar a outro. Muito antes que um conhecido prefeito lançasse um vasto plano de obras, que atingiu diversos bairros da cidade, com a justificativa de que queria “devolver o espaço urbano do Rio aos seus moradores”. Balela, nunca houve a necessidade de uma tal “devolução”. O carioca sempre se apropriou do espaço urbano da sua cidade. Para o bem e para o mal. A extensão relativamente pequena da área central da cidade sempre induziu o carioca a se deslocar pelos seus próprios pés. Mas não é apenas no centro da cidade que se anda. Extensa, a cidade é necessariamente “descentralizada”. Cada bairro tem o seu próprio centro, onde os moradores encontram opções de serviços, comércio e lazer. A área central dos bairros mais afastados do Centro (ou da Cidade, como ainda falam os moradores mais antigos) é tão movimentada quanto o Centro da cidade. Hábito que o colapso do sistema de transporte público ajudou a manter, diga-se de passagem. Mas aqui também já estou fugindo do tema e anunciando textos futuros.
Pode até parecer banal, mas essa relação de afetividade (como denominei), do carioca para com o espaço urbano do Rio de Janeiro não é algo facilmente encontrável em outras cidades do país. Morei durante um tempo em uma cidade onde não se andava a pé. Em certos bairros, as ruas nem calçadas tinham! Tudo se fazia de carro. E de carro apenas, porque o transporte público era inoperante, pra variar.  A falta de investimento publico em transporte de massa alimentava, e alimenta ainda, a opção pelo transporte particular na mesma medida em esta opção estimulava aquela falta de investimentos, num círculo vicioso. Qualquer pequena tarefa tinha que ser feita de carro. De todas as estranhezas que eu poderia ter com uma cultura diferente daquela onde fui criado, talvez essa tenha sido a maior de todas. Resultado: eu não tinha vontade nenhuma de freqüentar o seu espaço urbano. Mas, a meu favor, tenho que dizer que essa parecia ser também a opinião dos nativos locais.
Como ninguém andava a pé, exceto no centro da cidade, não se via nas ruas dos bairros orelhões ou mesmo bancas de jornal. Esse fenômeno tão urbano! Onde todas as manhãs aqueles que trabalham nas ruas se aglomeram para ler as manchetes do jornal pendurado do lado de fora. Aliás, essa reflexão me fez lembrar de uma época em que trabalhei relativamente perto de casa. Tinha que estar no trabalho as nove, e em vez de encarar um ônibus lotado logo pela manhã, optava por ir a pé para o trabalho. Creio que não há melhor maneira de se informar sobre os últimos acontecimentos. Ia pelo caminho pescando fragmentos de conversa e admito que, quando tinha tempo, também parava para ler as manchetes na banca de jornal. Chegava no trabalho já completamente informado “das últimas”. Algumas vezes ficava sabendo de acontecimentos antes mesmo da imprensa. Um acidente que havia acabado de ocorrer na saída do túnel, uma operação policial feita naquela mesma manhã em alguma “comunidade” próxima, etc. Nâo se pode dizer que eu flanava até o trabalho, afinal de contas eu tinha destino e horário. Mas, quem sabe, essa não é a flanerie desses tempos corridos? Afinal de contas, não temos mais o tempo de João do Rio. E essa frase pode ser interpretada de diversas maneiras...
Um professor e amigo sempre dizia: “Se quiser conhecer uma cidade, perca-se nela!”. Perder-se implica em andar pela cidade, entrar em seus becos mais escuros, nas vielas mais sujas, para ver apenas onde ela vai dar. E foi me perdendo pelo Rio que descobri diversas maneiras de chegar a um mesmo lugar, assim como quais lugares evitar. Acostumado com a prática, não é por acaso que procuro “me perder” em todas as cidades por onde passo. Nas minhas viagens, sempre separo um tempo para sair do roteiro turístico tradicional, pegar um ônibus, descer no centro da cidade e flanar. Aí sim, sem destino e sem horário. Será que estamos condenados hoje a flanar apenas na cidade dos outros? Dessa forma, os papéis se invertem, e passamos a conhecer mais do espaço urbano das cidades que visitamos do que da nossa própria cidade. Onde seremos eternos estrangeiros. Fazendo o mesmo caminho cotidianamente, da casa para o trabalho e do trabalho pra casa. Recuso-me! Andando pelo Rio descobri o meu amor não só por essa cidade. Mas o amor pela cidade. Pela vida urbana. Esse blog tem a pretensão de ser um espaço de reflexão de todos aqueles que, como eu, se recusam a ser estrangeiros na sua própria cidade. E se, com os meus textos, eu estimular alguém a por a cara na rua e flanar pela sua cidade, pago-me da tarefa com lucro.